Trabalhadores Portugueses em campos de concentração alemães

 

    

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No início de junho de 1943, um indivíduo dirige-se ao Consulado de Portugal em Berlim. Afirmava chamar-se Francisco Gonçalves Leco, ter nascido em Portugal, na freguesia de Alheira (Barcelos), a 7 de Agosto de 1901. Em sua posse, tinha apenas um documento de identificação francês. Afirmava que fora compelido a ir trabalhar na Alemanha pelas autoridades francesas para substituir um prisioneiro de guerra. Trabalhava na fábrica Berliner Maschinenbau A.G., em Wildau. Era um dos muitos trabalhadores portugueses requisitados no âmbito da Relève, pela qual as autoridades de Vichy trocavam operários por prisioneiros de guerra.

Um ano depois, deram entrada no Palácio das Necessidades dois apelos pungentes. O primeiro fora escrito pelo punho de Abel David Berger e pedia a intervenção dos diplomatas portugueses. Nascido em Lodz, Berger afirmava ser cidadão português, inscrito no vice-consulado de Nice. Ele e a mulher foram presos pela polícia alemã, por serem judeus. Internado em Drancy, as autoridades portuguesas não lhe reconheceram a nacionalidade. Berger seria deportado para Auschwitz, em Abril de 1944, onde foi gazeado.

O segundo apelo, datado de abril de 1944, foi escrito por Manuel Lopes e dirigido ao ministro de Portugal em Vichy. O seu irmão, Louis Lopes, nascido a 17 de janeiro de 1925, em França, fora preso pelos alemães no mês anterior e desaparecera. Manuel não sabia que o irmão seria deportado para o Campo de Concentração de Auschwitz alguns dias depois. Foi transferido para o Campo de Concentração de Buchenwald e, dias depois, para o de Flossenbürg. Ao contrário de Abel Berger, Louis Lopes sobreviveu à deportação.

Quem eram estes portugueses? Como é que foram parar aos campos de concentração, aos campos de prisioneiros de guerra ou mobilizados para a economia de guerra alemã como trabalhadores civis e forçados? Como viveram e foram tratados na Alemanha nazi? Sobreviveram à guerra? Qual a posição do governo português e dos diplomatas face a esta situação?
A resposta as estas e a outras questões têm conduzido a uma investigação exaustiva e contínua na Alemanha e em França.
Desde 2015 que uma equipa de investigadores do Instituto de História Contemporânea e da Universidade de Paris 8 tem procurado reconstituir as histórias de vida das vítimas portuguesas do regime nacional-socialista.
Apesar de Portugal ter mantido a neutralidade durante toda a guerra, a eclosão de um novo conflito, em 1939, não deixou incólumes os portugueses que se encontravam emigrados na Europa.
A partir de 26 de janeiro de 2023 é possível visitar na Assembleia da República a exposição "Os Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich". Para este trabalho, foi essencial a investigação desenvolvida no arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, como o demonstra esta exposição.

A França era o principal destino da emigração portuguesa para a Europa quando, em 1939, eclodiu uma nova guerra. Depois da invasão e ocupação de parte do país pela Wehrmacht, as autoridades ocupantes procuram angariar trabalhadores para as fábricas alemãs. Porém, o número de voluntários foi inferior às necessidades do esforço de guerra, pelo que foram progressivamente adotando medidas que conduziram ao recrutamento forçado no Verão de 1942.
Diariamente, os trabalhadores portugueses requisitados acorriam aos consulados, procurando obter proteção. Os diplomatas portugueses em França, ao terem conhecimento da mobilização coerciva destes emigrantes, efectuaram diligências junto das autoridades militares alemãs e do governo de Vichy para os isentar da participação no esforço de guerra do Reich.

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Destacou-se a atuação individual do cônsul-geral de Portugal em Paris, António Alves. Alves opôs-se veementemente ao recrutamento obrigatório, por o considerar contrário à política de neutralidade do governo que representava e porque colocava em causa a liberdade de trabalho dos emigrantes portugueses, garantida pelo tratado assinado entre Portugal e França em Abril de 1940. O acordo que isentava os portugueses da obrigatoriedade de trabalho na Alemanha ou na Organização Todt, nem sempre foi cumprido, em particular em 1944 quando aumenta a necessidade de mão-de-obra.

Além dos trabalhadores civis, esta investigação conseguiu, até ao momento, identificar cerca de uma centena de portugueses para as prisões e campos de concentração nazis no âmbito da política de repressão conduzida pelos alemães em França. A deportação inclui situações múltiplas que vão desde a implicação na Resistência, às vítimas de represálias ou de rusgas, a internados políticos, presos de delito comum ou ainda posse de arma.

 

Lisboa, 27 de janeiro de 2023

Claúdia Ninhos

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Ofício do cônsul de Portugal em Berlim, Mário Duarte, informando que Francisco Leco estivera no Consulado e que fora requisitado para trabalhar na Alemanha no âmbito da Relève. 2 de junho de 1943.
AHD, MNE- S3, E102, P05/38777
Carta de Manuel Lopes dirigida ao Embaixador Português em Vichy pedindo informações sobre o paradeiro de irmão Louis preso pelas tropas alemãs, 10 de março de 1944.
AHD, MNE- S3, E 39, P1/35212.
Carta do consulado de Portugal em Marselha, datada de 24 de julho de 1941, para Vichy, com cópias de duas cartas enviadas para Marselha por um português preso em Argèles-sur-mer, Mário de Abreu.
AHD, MNE - S3, E 54, P1/ 36050
Telegrama recebido da Legação de Portugal em Berlim sobre a situação dos operários portugueses coagidos a trabalhar na Alemanha pelas autoridades francesas (11/12/1943).
Coleção de Telegramas Recebidos da Legação de Portugal em Berlim. Telegrama n.º 435. 11/12/1943.
AHD, MNE Coleção de telegramas, Mç.236
Lista de trabalhadores portugueses sequestrados e deportados pelas autoridades locais de ocupação.
AHD, MNE-S3, E 39, P1/35212.